sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Capítulo I

Entra o interrogador. O cheiro de lâmpada queimando já dificultava a respiração. Não havia escapatória, ele teria de dizer tudo.
Qual teu nome?
José.
José do quê?
José Ramiro da Silva.
Muito bem. Foste visto no dia do assassinato de Clara. O que podes me dizer a respeito?
Que posso dizer? Fui visto e estava lá mesmo.
Assim, simplesmente?
É.
O interrogador acende um fósforo, eleva o cigarro à boca. Olha manso, mas seguro. José o observa.
Quer um cigarro?
Sim.
José pega um do maço do homem. Enquanto ele observa o que José pega, este o observa mais atentamente: grisalho, aparentava uns 60 anos. Parecia experiente na profissão. 
Você sabe que será preso, não é?
Sei?
Sabe sim. Quero que me conte passo a passo tudo como ocorreu.
José olhou para os lados. Viu apenas um policial que, apalpando a arma que havia em seu bolso, também o olhava. Como conseguiria escapar daquilo? Os braços encolhidos com as mãos entre as pernas denunciavam sua posição. Quem era ele para negar tudo o que ocorreu?
Estou esperando.
Pensava se conseguiria conter a emoção, as lágrimas, o nervosismo. Pensou na mãe avisando que não poderia se meter com aqueles caras. Lembrou da esposa, o olhar decrépito, sua agonia. Da filha, apenas o sorriso. O chamado para ajudá-la com a Barbie que quebrara. Queria uma nova e não poderia dá-la. Pensou no dinheiro. Lembrou da necessidade. Começou a retomar o ocorrido.
Vamos, homem!
Senhor, eu tenho dificuldade em contar como tudo ocorreu. Sou um homem de bem, não um qualquer. Tive esposa, tenho uma filha. Não posso ser preso por isso.
Não te perguntei sobre tua prisão.
Eu sei, mas eu preciso ser livre. Minha filha precisa de mim.
Pensasse nisso antes de fazer aquilo.
Ele realmente deveria ter pensado. Quando deixou a filha sozinha em casa, não pensava que alguém pudesse entrar lá. Deixou tudo em casa para fazer o que prometera. Fez o que fez e ainda sofreu punição. E sofrerá ainda mais.
Não tenho até amanhã para esperar pela história.
Não seria uma história. Seria sua versão. Nunca se conta uma história como ela realmente aconteceu, pois a sua ótica não será a mesma de outros.
Novamente pensou na esposa. Não vai, José, ela dizia. José, se tu fores, nada mais vai dar certo na tua vida. José, pra quê isso? José, isso precisa acabar. Para, mulher! Não fala mais! Não aguento mais essa tua voz! E mudava o tom em seguida, sabia que ela estava certa. Bem certa, aliás.
Olhava o relógio da parede da sala. Já eram 2h30. Desde a manhã anterior na delegacia. Só agora o tinham chamado pra falar.
Fala, caralho!
É necessário começar. Disso ele não tinha mais nenhuma dúvida. Tal como não teve quando fez sua pior ação na vida.